A promissora certificação coletiva para água pura
Uma iniciativa em andamento, pretende descentralizar a responsabilidade do cuidado da água e inspirar uma mudança coletiva.
No vasto cenário das questões ambientais, há aqueles que não apenas testemunham, mas dedicam suas vidas a fazer uma mudança significativa.
Conversamos com a fundadora Juliana Faber da Plante Água, um empreendimento socioambiental que produz desde o feitio de produtos biodegradáveis até a criação do Templo das Águas, que tem como objetivo sensibilizar e educar sobre o cuidado vital das nossas fontes hídricas.
Além disso, mergulhamos na motivação singular de focar nas mulheres, reconhecendo não apenas seu papel histórico como cuidadoras, mas também sua força para efetuar transformações reais.
Ag.Casoca: Poderia nos contar sobre o contexto atual da água no Brasil e quais foram os motivadores que levaram vocês a se dedicarem a esse tema?
Ju: Apesar de termos 12% da Água disponível do planeta, um estudo do Instituto Trata Brasil, aponta que o país atende somente 50,3% da população com rede coletora de esgoto e, desse total, trata apenas 42,67%. O fato é que todos querem Água limpa, mas diariamente contaminamos nossas Águas com cosméticos, medicamentos, hormônios sintéticos, produtos de limpeza, etc, todos estes produtos contaminam a Água e geram resíduos que podem reagir entre si e gerar contaminantes emergentes que são produtos tóxicos que não são removidos ou eliminados pelos processos tradicionais de tratamento de Água para consumo humano, e são dificílimos de mapear e retirar.
Além disso, ainda não sabemos quais tipos de problemas a exposição crônica a esses contaminantes pode causar aos seres humanos e ao ambiente.
A motivação em dedicar a vida em cuidar da Água e sensibilizar as pessoas veio desde 1999 quando comecei a fazer cosméticos naturais e me dedicar a Permacultura, de lá pra cá fui mergulhando nesse universo incrível e misterioso que é a Água, pesquisando sobre sua estrutura, PH, memória, propósito, etc.
Desde 2011, senti a necessidade de criar uma cultura de cuidado das Águas em Piracanga, um lugar com rio, mar, umidade da Mata Atlântica e um lençol freático a apenas 2 metros de profundidade onde vivem cerca de 150 pessoas e passam em média, 4000 visitantes por ano.
Ag.Casoca: O que é o Plante Água?
Ju: A Plante Água é um empreendimentos socioambiental focado no feitio de produtos biodegradáveis e na sensibilização para o cuidado dos nossos corpos d'Água. Em 2016, criei o Templo das Águas, espaço todo bioconstruído dedicado a sensibilização e educação para o cuidado das Águas, lá temos 7 níveis de Água no telhado com função de tratamento de Água, cobertura, climatização de ambientes, reprodução de plantas aquáticas e principalmente de atração de vida.
Motivação para Trabalhar com Mulheres e Água:
Ag.Casoca: Qual foi a inspiração por trás da iniciativa "Plante Água" e como vocês percebem a interseção entre as questões de gênero e a preservação da água?
Ju: A Plante Água nasceu desse pedido de cuidado e de responsabilidade pelas Águas, nasceu de uma vontade de criar uma cultura de cuidado baseada na coerência simplicidade, acessibilidade, autorresponsabilidade e regeneração. Historicamente as mulheres sempre foram as grandes cuidadoras da Água, sentimos no nosso corpo o quanto Água é importante, estamos conectadas ao seu fluxo e seu movimento,sentimos as Águas e a emergência do seu cuidado, são as mulheres que também mais sofrem com a falta de acesso e de qualidade de Água, pois são as mulheres quem em sua maioria cuidam das questões relacionadas à saúde, alimentação, cuidados da casa etc. Por essa necessidade e esse chamado, são as mulheres que tem mais força para realizar transformações efetivas nessa temática.
Formação do Grupo:
Ag.Casoca: Como foi formado o grupo por trás da "Plante Água"? Houve algum evento específico ou desafio que os uniu para abordar essas questões?
Ju: Plante Água é um empreendimento/movimento que nasceu do ativismo de uma mulher que como gota foi se juntando com muitas outras gotas para formar um corpo, um rio caudaloso, o ativismo começou por essa necessidade de cuidar das Águas de Piracanga, e aos poucos, transbordar/dominar o mundo com o cuidado das Águas.
Certificação Participativa:
Ag.Casoca: Poderia explicar mais sobre a certificação participativa que estão iniciando? Quais são os principais critérios que vocês sistematizaram e como funcionará o processo de validação local?
Ju: O propósito é descentralizar e criar uma responsabilidade coletiva dos cuidados da Água. Hoje a ecovila tem cerca de 64 casas e a ideia é que cada casa siga os critérios e indicadores estabelecidos para a certificação. A proposta é que cada casa de Piracanga possa ser certificada e mais do que isso, engaje seus hóspedes ou inquilinos para o cuidado das Águas!
Os principais critérios são:
Os proprietários, hóspedes e inquilinos se comprometerem a usar só produtos biodegradáveis, dentro do definido como biodegradável na ecovila;
Ter seus sistemas de tratamento de Água em dia;
Fazer análises periódicas da Água;
Se comprometer a passar esses acordos para as pessoas que chegam ou habitam as casas;
Utilizar filtro de barro com velas tripla ação;
Repensar e direcionar corretamente seus resíduos;
Fazer prevalecer no seu jardim a regeneração da Mata Atlântica.
A Certificação Participativa é validada pelas iniciativas que compõem a Rede Água Vida e feita através de um núcleo composto por proprietários, moradores e integrantes das iniciativas validadoras, o objetivo é gerar benefícios e descontos para os participantes.
Para a divulgação desse movimento de cuidado vamos fazer um mapa da ecovila indicando quais casas estão cuidando das Águas que tem o selo Compromisso: Água Vida!
Ag.Casoca: Qual é o objetivo principal da certificação e como planejam chegar até lá?
Ju: A proposta foi inspirada nas certificações participativas de alimentos orgânicos, onde os próprios atores do processo fazem a certificação. Não existe nada parecido em relação a Água, e quando pensamos em qualidade de Água pensamos apenas nas qualidades físico químicas e na ausência de patógenos e atribuímos a responsabilidade sobre isso às empresas de saneamento e tratamento.
Está na hora de nos responsabilizamos enquanto indivíduos e coletivos, e nos aprofundarmos no tema para entender o que precisa ser incluído neste cuidado.
O objetivo central da certificação é compartilhar a responsabilidade de cuidado das Águas a partir de critérios que façam sentido no contexto local, essa experiência está servindo como um protótipo e, se der certo, pode ser implementada em outras ecovilas, condomínios, associações rurais etc.
Enquanto protótipo a validação é local, mas o objetivo é também buscar a validação através de outras iniciativas, como o CIRAT - Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade, Agência Nacional das Águas entre outras
Envolvimento das Mulheres na Iniciativa:
Ag.Casoca: Quantas mulheres estão envolvidas atualmente no projeto "Plante Água"? Existe uma razão específica pela qual vocês buscam um engajamento maior de mulheres nessa iniciativa?
Ju: a Plante Água é um empreendimento sócioambiental de impacto regenerativo. Temos uma equipe pequena de 6 pessoas, sendo que 5 são mulheres.
Nesses 12 anos, mais de 20 mulheres já passaram na equipe e mais de 40000 participaram das atividades de sensibilização oferecidas, acreditamos que destas 90% tenham sido mulheres.. Buscamos seres humanos que se sensibilizem, se lembrem da importância, se engajem e cuidem, mas por se tratar de algo que requer autoconhecimento a grande procura e engajamento é das mulheres.
Impacto e Perspectivas:
Ag.Casoca: Na sua opinião, por que é essencial ter mais mulheres engajadas em questões relacionadas à Água? Como vocês esperam que essa certificação e as ações do grupo impactem a conscientização e práticas relacionadas à água no Brasil?
Ju: Na ausência de Água nas residências, cabe às mulheres buscar a Água para as suas famílias; a Água - não segura - gera doenças, especialmente às crianças, cujo cuidado é atribuído às mulheres;
No Brasil, 27 milhões de mulheres – uma em cada quatro no país – não têm acesso adequado à infraestrutura sanitária e ao saneamento; Meninas sem acesso a banheiro têm desempenho escolar pior, com 46 pontos a menos na média no ENEM, quando comparadas à média geral dos estudantes brasileiros; No caso de falta de Água em casa ou doença no núcleo familiar, o impacto desse problema no tempo produtivo das mulheres é 10% maior que o dos homens.
Assim, o encontro Água e mulher representa uma ressignificação de uma sociedade com menos desigualdades, mais inclusiva e que propicia o desenvolvimento em todos os seus aspectos humanos, ambientais e econômicos.
A certificação tem como propósito compartilhar efetivamente esse cuidado entre homens e mulheres, um design de um cultura regenerativa de fato só acontecerá quando dermos as mãos e fizermos das ideias, ação.
A certificação é um desses exemplos de como podemos agir localmente e causarmos um impacto global. Imagine essa certificação se espalhando por muitos lugares, mais e mais pessoas se responsabilizando verdadeiramente e a Água desse planeta cada vez mais pura podendo seguir seu curso e seu propósito de trazer cada vez mais vida. Te parece uma imagem bonita de sonhar e de se alimentar? Esse é o meu propósito…
ps: a palavra Água está sempre em letra maiúscula para nos lembramos sempre que Água ser um organismo vivo, um sujeito de direitos (vide direitos da Natureza)
Essa entrevista foi feita com Juliana Faber, mãe de Kalu Terra, permacultora, empreendedora social, escritora e educadora ecológica de formação e vivência. Por 7 anos, viveu em Institutos de Permacultura e por 17 anos em comunidades intencionais. Desde 2011, vive na ecovila Piracanga, onde é facilitadora do Gaia Education na Escola da Natureza e onde cria a Plante Água e o Templo das Águas. Em 2019, escreveu o livro Somos Água e em 2022, Água Mãe - Águas, Mulheres e Cerrado, a fim de transbordar o amor, o cuidado e a responsabilidade com as Águas pelo mundo.